quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A.9



Sentiu-se algo constrangida, afinal tratava-se de um estranho com quem apenas se cruzara na véspera… não se sentia à-vontade para ir para a praia com ele, e aquela pergunta, feita daquela maneira, parecia-lhe um convite à sua companhia…

- Estava a pensar ir até à praia, mas francamente ainda não venci a preguiça…

- Posso fazer-lhe um convite…?

Anuiu com a cabeça, ainda que se debatesse interiormente para se esquivar.

- Quer vir dar um passeio de barco na ria? Depois desembarcamos numa praia e damos um mergulho…

- E onde se arranja um barco? Sei que aqui alugam alguns.

- Descanse, eu trato disso. Vou só fazer um telefonema.

Ficou a tomar o café e a vê-lo de costas a falar ao telemóvel. Parecia ganhar estatura, ao perder o ar cansado que lhe fazia pender os ombros na véspera.

Agradou-lhe o som das gargalhadas que o ouviu dar, soavam a francas e bem dispostas.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A.8


Fechou a porta e sentiu o cansaço invadi-la, estendeu-se em cima da cama, ainda vestida… passavam-lhe pela cabeça as memórias dos últimos dias em Lisboa, da confusão que se tornara a sua vida e a sua relação, que começara tão de mansinho e que se tornara já uma fonte de inseguranças e de mal-estar… adormeceu com um sorriso, ao recordar o prazer da viagem e o agradável serão com aquele desconhecido.

Abriu os olhos para um novo dia, o primeiro dia de férias, as malas estavam espalhadas pelo quarto e a roupa da véspera no corpo… riu-se de si mesma: São férias! disse em voz alta, para que a sensação se lhe entranhasse… às vezes fazia-o, falar em voz alta consigo mesma, sobretudo quando tinha de se convencer a si mesma de qualquer coisa.

Tomou um duche e foi à procura da esplanadinha junto à piscina, para tomar o pequeno-almoço. Comeu e deixou-se ficar a desfolhar o livro que levara para companhia, enquanto tomava o café e fumava o seu cigarro, saboreando o tempo que corria, morno, e o cheiro das azáleas em flor.

- Permite-me que tome um café consigo… era uma voz suave, quase sussurrada, perto do seu ouvido. Levantou os olhos do livro e viu-o, com um ar desportivo, descontraído, bem diferente o ar executivo da véspera… a barba começava a despontar, dando-lhe um ar negligé e mais leve…

- Claro! Sente-se à vontade … respondeu-lhe com agrado na voz.

- A noite foi reparadora?

- Adormeci vestida, acredita nisto…?

- Acredito, estava visivelmente cansada. E agora, piscina ou praia…?

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A.7



A brisa de fim de dia trazia-lhe o aroma do mar e da ria, e os sons das vozes transportavam-na para longe… sentia-se absorta, ausente, caminhava calmamente, sem maior motivação que a fome que se começava a fazer sentir…

Os passos levaram-na a sair do aldeamento em direcção à vila, talvez aquele restaurante de que tanto gostava estivesse aberto…

O movimento nas ruas destoava dos seus sentimentos, no meio de tanta gente sentia-se a caminhar sozinha, mas, ainda assim, respirava fundo a agitação para ver se se animava.

Distraída com os seus pensamentos, ia chocando com um fulano, à entrada do restaurante, que gentilmente lhe cedeu a passagem.

- Mesa para dois? Ainda tenho uma.

- Não estamos juntos...

- Vou pedir-lhe então que aguarde um pouco. Sexta-Feira à noite, sem marcação...


Decidiu convidá-lo a partilhar a mesa, não lhe parecia correcto que ficasse à espera depois de ter sido tão gentil.
Sentaram-se e foram vendo a lista.

- Aceita tomar um vinho comigo, a acompanhar a refeição?

- Sim… nem vou conduzir mais hoje…

Fizeram o pedido e ficaram em silêncio, frente a frente, sem muito a fazer… já se arrependia de ter feito a sugestão, mas seria falta de educação não o fazer… aproveitava para o ir observando discretamente, tinha um ar calmo, mas algo conturbado, um não-sei-quê de atribulado, e as mentes atribuladas sempre a atraíram, pensava…

- É sempre tão observadora e silenciosa…?

- Desculpe… nem sempre… deve ser ainda a ressaca da semana de trabalho e da viagem. Está de férias…?

- Apenas a aproveitar um fim-de-semana em paz…

- Este é dos melhores locais que conheço para isso, por isso cá estou, ainda que por mais uns dias. Acho que não aguentaria nem mais um dia na confusão da cidade… estou para aqui a maçá-lo com a minha tagarelice.

Deu uma risadinha traquina, que lhe era muito própria.

- É a descompressão do stress. Eu próprio ainda estou a descomprimir, nada melhor que esta brisa do mar, um bom jantar e um bom vinho, vai ver que se sente outra no fim!

A refeição estava excelente, como aliás era habitual naquele pequeno restaurante. Quando terminaram convidou-a para tomar um digestivo.

- Se não me levar a mal, convido-o a tomá-lo no bar da piscina do aldeamento onde estou. É mesmo ao cimo da rua, e com este tempo é muito agradável ficar na esplanada… já estou doida por um cigarro!

Sentaram-se numa mesa perto da água, mais afastada dos ruidosos ingleses que viam um jogo de futebol no interior do bar, a conversar sobre a beleza daquele local e sobre quanto gostavam de “fugir” para aquela zona.

Quando o cansaço se começou a fazer notar, ele ofereceu-se para a acompanhar até à porta do apartamento.

- Obrigada pela companhia, foi muito agradável…

- Igualmente! Tenha uma boa noite.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A.6

- ...Qual é a "tanga" desta vez?


- Nenhuma. Vou apanhar ar.


- Faço uma ideia com quem...


- Sabes mais do que eu. Queres elucidar-me?


- Não me faças de parva !...


O diálogozinho do costume ainda lhe martelava na cabeça. Tinha feito o caminho em piloto automático. Estava quase a chegar. A zona para onde ia trazia-lhe à memória instantâneos de uma adolescência feliz, quando alternava manhãs de pesca, tardes na praia e noites no aldeamento da zona onde a "pesca" era outra. Faziam um belo quarteto de engatatões de calções.


Apesar do insucesso quase constante em ambos os tipos de pesca, eram momentos que recordava com nostalgia. dos outros três só sabia de um. Os manos emigraram para os estados unidos.


Chegou em cima da hora do jantar, arrumou o carro, desligou o telemóvel e percorreu os poucos metros até ao restaurante. O ar quente a bater-lhe na cara trouxe-o para outra realidade. Deixara o casamento em Lisboa. Por dois dias estava por sua conta e não queria perder um minuto. O dia chegaria em que isso também se resolveria. Por agora só queria um jantar sempre bom... E paz.


Absorto nos seus pensamentos quase chocou com uma mulher que ia a entrar. Automáticamente cedeu-lhe a passagem. Nunca foi o protótipo do cavalheiro, achava isso uma forma de subalternisar as mulheres, mas a educação falou mais alto.


Entraram quase ao mesmo tempo.


- Mesa para dois? Ainda tenho uma.


- Não estamos juntos...


- Vou pedir-lhe então que aguarde um pouco. Sexta-Feira à noite, sem marcação...


- Qualquer canto serve. Estou sózinho.


- Eu também. Como foi simpático ao ceder a passagem não me importo de partilhar a mesa.


- Seria um prazer, mas não quero ser inconveniente.


- A sério. Se não o tivesse feito tinha entrado à minha frente...


- Agradeço então...


Era um olhar algo basso, aquele que fitava pela primeira vez. Notava-se um misto de segurança e sacanice muito lá no fundo, por debaixo de uma indiferença que lhe pareceu sincera.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

A.5



Dormiu mal e de forma entre-cortada. Levantou-se antes mesmo do despertador tocar, sentia-se irrequieta, irritadiça… parecia que ia entrar em erupção a qualquer momento.

Tomou um duche, comeu qualquer coisa, vestiu um vestido leve e prático para a viagem e meteu as malas no carro.

Tomou o seu café matinal na mesa do costume, estranhou não o ver por ali, como era hábito.

Passou a maior parte do dia a passar pastas e informações, sobre os trabalhos que tinha em curso, a uma colega. Almoçou com um grupo de colegas e a tarde voou entre arrumar assuntos e uns telefonemas. A porta do gabinete dele esteve fechada o dia todo, o que indiciava que ele estaria fora.

Ás 5 e tal despediu-se dos colegas, meteu-se no carro e rumou a sul. A estrada estava relativamente pouco movimentada àquela hora. Ligou o leitor de cd’s e escolheu a sua música favorita… durante kilómetros deixou-se embalar na música e na paisagem, nos reflexos dos raios de sol… sentia que a paz se ia instalando à medida que os kilómetros iam passando, a respiração ia acalmando e a expressão facial ficando mais suave.

Quando finalmente passou a portagem e rumou ao Sotavento, já a suave brisa de fim de dia a embalava pela janela aberta, trazendo-lhe o apelo do mar.

Retirou as malas do carro com os últimos raios de sol a avermelhar o céu. Cansada sentou-se no terraço a apreciar o espectáculo de cor que o céu lhe proporcionava, e a pensar onde iria jantar…

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A.4



Não conseguia muito bem entender como tinha chegado àquele nível de envolvimento. Considerava-se uma mente livre e descomplexada, ainda que algo tímida, gostava de manter as relações no seu devido lugar, sem que interferissem com o resto da sua vida.

Quando as coisas se estavam a intensificar mais, fazia questão de esclarecer que não procurava alguém de quem depender, sempre gostara de ser independente…
Com ele tudo acontecera de forma algo estranha… talvez pelo facto de nem um nem outro estarem à procura de um amor, mas apenas a partilharem-se, sem segundas intenções.

Saíra há pouco de uma relação atribulada, e ele sentia-se insatisfeito com a vida e com o casamento. Nem um, nem outro, estavam com o coração disponível, nem dispostos a baixar as “guardas”… a amizade surgiu fácil e a partilha dos sentimentos e das frustrações só ajudou a cimentá-la.
Revelara-se mais que um D. Juan, um homem com um coração bonito e carente. Alguém que nunca conhecera o verdadeiro amor, e por isso o procurava em cada mulher, sem saber sequer o que procurava…

Depois a química fora mais forte, e a atracção levou-os a partilhar os corpos, a descobrir o prazer um do outro, a desejar sentir a pele na pele, a boca na boca, no corpo…

Encontraram-se num motel, soltando a loucura dos corpos, do desejo…

Saíra de lá a pensar que podia ter perdido uma amizade interessante, apenas por ter deixado extravasar o desejo; a remoer por ter ultrapassado a barreira, que sempre se impunha, de não misturar trabalho e prazer…

No dia seguinte, a reacção dele fora de tal forma boa, que a fizera esquecer por completo os princípios e os preconceitos… passaram a sair e a estar juntos para almoçar quase todos os dias, às vezes aproveitavam para ficar a “namorar”, outras “davam uma fugida” para uma cama…

Rapidamente o seu coração se foi rendendo, entregando, baixando todas as “guardas” e permitindo que o seu amor o penetrasse…

Agora era altura de ir de férias e não sabia como iria aguentar a separação. Queria muito pedir-lhe que viesse com ela, mas nunca o faria… sabia que ele tinha a mulher, as crianças, ainda que insatisfeito com a vida que tinha, era a que ele tinha escolhido…

Foi pondo, mecanicamente, na mala as roupas e os acessórios de que precisaria para as férias. Sabia que não iriam ser grande coisa, no estado de espírito em que se encontrava, mas o espaço e o tempo para reflectir iriam fazer-lhe bem…

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A.3


Chegou a casa, tomou um duche longo e quente, ficou a sentir a água que lhe escorria pelo corpo empurrando o cansaço e o stress com ela… sentia-se mais calma, ainda que com uma sensação de vazio interior.

Enrolou-se no roupão, serviu um copo de vinho tinto, ligou a música e sentou-se a olhar em frente, sem ver… tinha de ir fazer as malas para as férias, mas nem sequer lhe apetecia muito.

Deu por ela a olhar para os efeitos do fumo do cigarro evoluindo no ar. Precisava daquelas férias como do ar que respirava, sentia-se cansada, esgotada. Mas estava a custar-lhe imenso o afastamento forçado…

Nunca lhe tinha passado pela cabeça que aquela relação a viesse a “agarrar” tanto… ele era, tipicamente, o sedutor… um daqueles homens que, ainda que casado, nunca deixaria de espalhar charme e sedução no seio das mulheres… percebera isso desde o 1º minuto, e ficara convicta de que, por o ter percebido, lhe estaria imune. Engano fatal…!

Um dia, no início do ano, aceitara ir tomar uma bebida com ele ao fim da tarde. Ficaram a conversar sobre os gostos pessoais, sobre os prazeres que ambos gostavam de desfrutar, sobre os caminhos que as vidas tomam, muitas vezes sem que se entenda muito bem porquê, nem como…

Em pouco tempo, e com mais 2 ou 3 saídas breves de fim de dia, estava completamente envolvida, e rapidamente se tornaram amantes… sempre que podiam, escapavam-se à hora de almoço para estarem juntos, às vezes simplesmente para almoçarem calmamente numa esplanadinha que tinham descoberto, enquanto se namoravam com os olhos e iam falando de coisas absolutamente normais.

Agora, pela 1ª vez sentia que tinha de se separar dele, e estava a custar-lhe imenso…

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A.2



Sentou-se e cruzou as mãos no colo, olhando-o meio de lado.

- Que se passa? Está estranha hoje, ausente, com um ar contrariado…

- Nada demais! Tenho o relatório para acabar, hoje já é 5ª feira e amanhã ao fim do dia entro de férias, só isso…

- Eu sei que vais de férias.

O seu tom de voz mudara, de preocupado para levemente irritado, perdera a compostura e deixara cair o tratamento formal.

- Então, deixe-me ir que assim ainda me atrasa mais…

Viu-o levantar-se e contornar a secretária, encheu o peito de ar e semicerrou os olhos enquanto o sentia aproximar-se por detrás da cadeira em que estava sentada. Sentiu as mãos que lhe pousavam nos ombros e a sua voz embargada…

- Queria ir contigo…

- Por favor! Essa sua atitude só torna as coisas ainda mais difíceis… preciso de acabar o relatório e não quero cá ficar até às tantas…

- Não costumas importar-te com as horas…

- Ainda quero deixar a mala feita hoje à noite, amanhã sigo viagem ao fim do dia.

Sentiu as mãos dele que se crispavam nos seus ombros, pressionando-a na cadeira, agarrando-a ali como se não a quisesse deixar partir.

- Vem almoçar comigo hoje… pediu, como que gemendo.

Conhecia-lhe o tom e o ar de cachorro abandonado, bem demais…

- Hoje? Nem pensar! Ia roubar-me demasiado tempo… tenho de ir, ou deixo-lhe o relatório pendurado…

Levantou-se com algum esforço e saiu a porta sem o olhar nos olhos. Não queria fazê-lo! Sabia que se o visse, com aquele seu ar desolado, não iria resistir a encontrar-se com ele à hora de almoço…

Trabalhou afincadamente durante horas a fio, pediu que lhe trouxessem uma sandes que comeu à secretária, quando terminou o relatório, colocou-o numa pasta, assinou-o e respirou fundo… pelo menos durante umas horas não pensara em mais nada!

Bateu com os nós dos dedos na porta entreaberta, nem um som… Ainda bem! Assim não tenho de me chatear mais… pensou.

Pousou a pasta sobre a secretária, entre o teclado e a moldura que tinha a foto dos miúdos, e saiu aliviada.

Já ia a caminho de casa quando o telemóvel vibrou... nova mensagem.

Já saíste? Nem disseste nada…

Já! O relatório está sobre a tua secretária. Até amanhã

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A.1


A manhã estava fresca, corria uma brisa fria que parecia querer, teimosamente, não deixar que o sol a aquecesse. Entrou no café e sentou-se na mesa habitual com o pensamento disperso, quando o empregado lhe trouxe o café e a água virou a cabeça para lhe agradecer e os seus olhos cruzaram-se com os de um homem que estava sentado na mesa em frente.

- Bom dia…?

Sentia-lhe o ar inquisitivo, mas nem lhe apetecia falar.

- Bom dia Sr. Dr., não o tinha visto…

- Não? Olhou-me de frente quando se sentou…

- Devia estar a olhar em paralelo infinito, desculpe!

Tomou o café, deixou as moedas sobre a mesa e saiu com um “Até logo” entre dentes.

Quando se sentou à secretária tinha mais vontade de se ir embora que de se sentar, mas o trabalho esperava-a. Ligou o computador e o rádio, viu os mails, e começou a escrever um relatório que ainda tinha de acabar hoje, sem falta.

As palavras pareciam não lhe querer sair, estava com a cabeça dispersa, ausente, sentia-se longe e sem vontade de nada, nem o seu café matinal a animara. Fazia-lhe falta o calorzinho matinal, mas o Verão estava tão tímido!

O telefone tocou insistentemente pela 2ª ou 3ª vez, nem tinha percebido que estava a tocar…

- Pode chegar ao meu gabinete, por favor?

- Com certeza…

Deu um toque leve com os nós dos dedos na porta encostada e avançou quando ouviu uma voz do outro lado.

- Encoste a porta, por favor, e sente-se.

sábado, 9 de agosto de 2008

26.



- Ainda falam das mulheres…

Levantei-me para sair, Ela disse que ficava por ali, saímos em direcção ao carro e a sua mão assentou, naturalmente, sobre o meu ombro…

Tomámos um café a ver o mar, descemos à praia e passeámos descalços na areia molhada, arrastando os pés na ponta das ondas, como tanto gosto de fazer.

Apercebi-me que ainda não tínhamos perdido o contacto físico desde que saíramos do hotel, ora tinha a mão sobre o meu ombro, ora na minha cintura, ou me agarrava pela mão e me beijava os dedos, ora me afagava o rosto suavemente afastando os cabelos, ora nos beijávamos num abraço apertado… mas o contacto ainda não se perdera…

Sabia-me bem aquele toque, aquela pele diferente da minha, sentir o calor daquele corpo quase desconhecido…

Almoçámos na zona, sempre com a água por perto, ficámos sentados à mesa mesmo quando todos os outros clientes já tinham saído… bebendo pequenos golinhos e de olhos perdidos nos olhos do outro, de mão na mão…

O sol começava a pôr-se anunciando o fim daquele domingo e daquele fim-de-semana…

- Temos de ir…
- Tem mesmo de ser…?
- Claro, a vida não pára, e a sua está à sua espera, longe…
- Pois…

De regresso pela marginal a visão do rio pintado das cores do pôr-do-sol fazia-me apetecer parar o tempo…

- Silenciosa de novo…?
- Apenas a desfrutar…


Despedimo-nos já na cidade, saiu do carro para me dar um último abraço, enquanto me sussurrava ao ouvido:

- Voltamos a ver-nos?

Olhei-o nos olhos, negros, profundos…

- Tem os meus contactos…

Entrei em casa, fui largando os sapatos e a roupa e meti-me debaixo de um duche quente, quando saí tinha uma nova mensagem no telemóvel:

- Adorei… adoro-te!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

25.

- Conheço um ou dois sitios bem interessantes para o fim em vista. Será agradável sair um pouco. Vou apenas tomar um banho rápido, se não fôr inconveniente.


Já lá vai o tempo em que os hoteis não tinham café de jeito. O dali devia ser óptimo, como tudo em geral. Percebi a mensagem. Percebi também que existia uma possibilidade muito concreta de eu estar a fazer figura de parvo, tendo servido de negaça para uma armação bem montada. A forma como ela olhava para ele dava-me uma pista ou outra para a razão da sua abordagem. apenas o facto de ele ter descido com a minha amiga me baralhou por um instante.


Já sabia o nome dela (vou chamar-lhe "Y"). Não fora dificil. Uma pequena hesitação na altura certa e as pessoas apresentam-se automáticamente.


Durante o banho, enquanto tentava "esquecer" a noite em claro, lembrava-me dela. Pensava que se tivesse ficado no quarto ela estaria ali comigo, agora. Podia sentir o seu cheiro, a sua pele, dar-lhe banho...


Não estava. Perguntas como "quem seria ela", "até quando iria ficar comigo", "seria casada?", assolavam-me o espírto. Sacudi-as. Afinal, ainda só sabia o seu nome há alguns minutos, tinha tempo para o resto. Sequei-me enérgicamente, vesti-me e desci, esperando encontrá-la à minha espera. Na verdade, continuavam as duas em amena conversa. Pareciam estar a dar-se bem. O meu "amigo", ao contrário do esperado, já não estava na sala e eu perguntava-me o que andavam aqueles dois a fazer. No fim de contas, também não tinha nada com isso...


- Vamos?


- Estávamos quase a criar raizes à sua espera!


- Ainda falam das mulheres...

domingo, 13 de julho de 2008

24.






Saí a porta do quarto e fui literalmente abalroada por um fulano alto e moreno.


O cheiro a banho acabado de tomar e a barba feita de fresco, sempre me atraíram.


Apeteceu-me meter com ele…


- É bombeiro?


- Perdão?


- Com tanta pressa pensei que houvesse fogo.


A gargalhada saiu-nos espontânea e simultânea, e os seus olhos escuros brilharam ainda mais. Entrámos no elevador e convidou-me para o acompanhar ao pequeno-almoço, quando lhe disse que ainda estava acompanhada respondeu-me, com ar sarcástico, que não tinha reparado… o seu olhar sedutor parecia rir-se…


Já na sala de refeições sentou-se sozinho perto da janela, mas virado para a mesa onde o meu “amigo” estava sentado com Ela… que fazia ela na mesa com ele…?


- Bom dia. Vejo que tem companhia, posso juntar-me?


- Estava à sua espera… deixe-me que a apresente…
o seu ar meio aflito foi evidente, nem sequer sabia o meu nome, apresentar…?


Ela estava agora vidrada no “bombeiro”, mal levantou os olhos para mim e piscou-me o olho…


- Bom dia, está muito fixa no bombeiro…


- Bom dia, bombeiro..!??


Não contive uma gargalhada, o que pareceu deixar o meu amigo ainda mais baralhado.


- Conhece-o…?

- De um encontrão no corredor… vinha com uma pressa que quase me deitava ao chão. Agora parece já não ter pressa nenhuma! Vou buscar comida, já volto.


Passei mesmo em frente do “apressadinho bombeiro” de olhos sedutores… que me seguiu até ao buffet…


- Afinal, parece que a sua companhia já arranjou outra parceira de mesa… podia ter tido a gentileza de comer comigo.


- Não me conhece… sou pouco dada a gentilezas… e para mais os seus olhos ainda não se despegaram da nossa “parceira de mesa”…


- Quem lhe diz que se despegaram de si…
disse enquanto roçava “acidentalmente” a mão nas minhas costas, provocando-me um arrepio.


Servi-me de umas frutas, um sumo, e umas fatias de queijo fresco que reguei generosamente com mel e voltei à mesa. Sentei-me a comer enquanto eles conversavam, de lado para a janela podia ver pelo canto do olho que “ele” não despegava os olhos de nós.


- Preciso de tomar um café a sério, não há por aqui um bom café?

sexta-feira, 11 de julho de 2008

23.



- Não quer sentar-se primeiro? Assim parece que veio, não pela companhia, mas para inquirir. Permita-me... o que a levou a pensar que hoje desistiria do convite?

“Imaginar que talvez não fosses mais um idiota de um D. Juan?...”

- Para começar, não entendi a motivação do convite...

“Sabe tão bem, parecer loira...”

Olhou de relance o telemóvel que dava sinal. Os olhos denunciaram a hesitação. Escreveu apressado, como quem escreve um qualquer recado sem importância.
“Disfarças bem mas não convences”

- Já nos tinhamos visto no Moinho “Ai já?? Pensei que estavas atento ao beijo...” (esboçou um sorriso irónico que lhe terá passado despercebido porque continuava a frase apesar de o telemóvel dar sinal novamente) depois aqui, ainda por cima com quem... “já estás a meter o nariz onde não és chamado!” Achei giro a coincidência “Ou temeste ser denunciado?” e tive vontade de a conhecer. Não foi nada racional. “Ah pois não, que ideia?!” Apenas um impulso. Foi má ideia?

Estava visivelmente nervoso e ficava ridículo naquele papel de descontração forçada. “Homens!! Nem precisam de livro de instruções! Têm um rótulo na testa a indicar sempre a próxima sacanice” Sorriu para suster o riso e soltar a tensão que lhe provocava a recordação da mensagem que ele lhe enviara “Vamos jogar. Amo-te!” Há quanto tempo não faziam aquele jogo...

- Parece que os nossos “amigos” desceram juntos. Digo-lhes para nos fazerem companhia ou ainda está irritada com ele?

- Raramente me irrito, o médico disse-me que prejudica gravemente o meu umbigo!
– tinha de dizer um disparate qualquer para soltar o riso e a tensão, sem levantar suspeitas - Amigos? Ele? Desculpe, não percebi...

- O seu marido... Você ontem estava a discutir com ele no bar, por ele a ter perseguido...

- Deve estar a fazer confusão...

- ??? Foi o que você disse...

- Então peço-lhe desculpa, devia estar a pensar no livro que estou a escrever e confundi a conversa.

- Mas o seu marido?... Aquele homem com quem estava no bar?...

- Agora é você quem deve estar a fazer confusão.

“Aposto que os teus neurónios andam à estalada uns aos outros”

Não ouviu mais nada. Enrolou o cabelo nos dedos, como fazia sempre que estava tensa. Ali estava ele, mais charmoso que nunca, naqueles olhos que o polo azul tornava ainda mais negros como o cabelo, ainda húmido. Conseguia sentir-lhe o cheiro mesmo à distância. Um arrepio percorreu-lhe o corpo ao imaginar-lhe o toque. Sentiu a excitação crescer quando ele a fitou. A figura dele ofuscava o mundo em redor de tal forma que não a deixou ver a mulher que se aproximava...

- Bom dia. Vejo que tem companhia, posso juntar-me?

Nem lhe permitiu perceber a atrapalhação que provocara no interlocutor que tentava apresentá-las sem saber o nome de uma ou de outra.

terça-feira, 8 de julho de 2008

22.


O telefone vibrou ao mesmo tempo que emitia um sinal discreto: "SMS"


- Conseguiu sair sem me acordar :-)


- Não tomei banho. Ainda estou a cheirar a si.


- Estava assim tão farto da minha companhia?


- Não consegui dormir. Você desmaiou com a primeira claridade. Vim para o terraço ver o alvorecer.


- Onde está?


- Dê-me um momento por favor.


Senti que estava a ser indelicado com a minha companhia de ocasião que, no entanto, se esforçava por ignorar a troca de mensagens.


- Parece que os nosso "amigos" desceram juntos. Digo-lhes para nos fazerem companhia ou ainda está irritada com ele?

sexta-feira, 4 de julho de 2008

21.

Pediu simplesmente um café e uma tosta, que não chegou a acabar, porque a raiva não o deixava engolir. Não estava irritado por a ter encontrado ali, mas sim por ela ter duvidado dele. Segui-la era a última coisa que faria na vida. Não se andavam a entender bem, mas nunca duvidou dela, nem pensou que algum dia ela duvidasse dele.

Tinha saudades do riso contagiante dela, do seu sorriso sincero e, pensando bem, era sobretudo pelo actual sorriso amarelo, pelo semblante indiferente e pela ausência de intimidade e diálogo, que os últimos meses lhe provocavam um mau humor crescente.

Adormeceu a pensar na mulher. Embora ele discordasse sempre, ela própria afirmava que não era bonita, simplesmente interessante.

Cativava a postura assumida naquele corpo delgado e seguro, mas o que realmente atraía eram os olhos, grandes e expressivos, duma face emoldurada por um longo cabelo desalinhado. Todo o rosto se iluminava quando a boca sorria, desde o brilho dos olhos aos lábios vermelhos. Era nessa altura, que a comum e vulgar silhueta, se transformava numa mulher atraente e esbelta.

O busto pequeno ganhava firmeza, os caracóis, que sacudia entre os dedos, soltavam-se no movimento descontraído de ombros e cabeça e toda ela ganhava uma luminosidade onde sobressaía o olhar requintado.

Devia ter-lhe calado as acusações com um beijo e as dúvidas com as mãos ávidas de desejo do corpo dela, mas optara erradamente por sair irritado e ofendido.

Despertou com o sol a bater-lhe na cara e o som do telemóvel a vibrar na madeira da mesa-de-cabeceira.

Tenho saudades do homem por trás da aparência rude...

Podes ir-te embora ou podes conquistar a desconhecida como há 5 anos...


Pestanejou, sentou-se na cama e leu as duas mensagens, repetidamente, para ter a certeza que estava acordado. Num golpe de mestre, puxou para o lado o lençol branco com letras bordadas, saltou da cama e correu para a banheira, enquanto pensava Vamos jogar! Amo-te!

Com o cabelo negro ainda molhado, agarrou a carteira e o telemóvel e saiu acelerado, esbarrando com o mulherão que passava em frente à porta do seu quarto.

- Perdão!

- É bombeiro?

- Perdão?

- Com tanta pressa pensei que houvesse fogo
– respondeu-lhe ela com uma gargalhada sarcástica.

Riram-se ambos enquanto entravam no elevador, olhos nos olhos.

- Quer acompanhar-me na primeira refeição do dia?

- Seria um prazer, mas penso que ainda estou acompanhada.

- Perdoe-me, não reparei
– respondeu ele enquanto olhava irónico em redor e a porta do elevador se abria.

Facilitou-lhe a entrada na sala, retribuiu o cumprimento e ficou a observar o andar elegante, as pernas bem feitas e o rabo vigoroso. Um mulherão!

Escolheu a mesa livre junto à janela, de frente para o rosto de olhos grandes e lábios vermelhos, emoldurado por longos cabelos desalinhados. Fitou-a profundamente, numa manifestação de desejo e tesão incontida que a perturbou e a fez mexer no cabelo daquela forma elegante, como fazia sempre que ficava tensa.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

20.



No quarto esperava-nos uma garrafa de Champagne já no frappé. Apesar de duvidar que eu aceitasse tinha tudo preparado…

Abriu a garrafa, serviu as flutes e fez menção de o tomar na varanda… o brilho da Lua no mar negro estava apelativo, mas eu estava ali para lhe provar que não me conhecia… lembrei-me do seu sms depois do banho
“Bem me podia ter convidado…”

Fui à casa de banho e pus o jacuzzi a encher, regressei ao quarto e olhei-o nos olhos em ar de desafio. O seu sorriso e o brilho dos olhos negros foram significativos, tinha percebido a mensagem.

Agarrou-me pela nuca e beijou-me intensamente, as suas mãos percorriam-me as costas e a nuca causando-me arrepios, os mesmos arrepios que sentira desde o primeiro instante que o vira.

Permanecemos agarrados num beijo até a água quase encher o jacuzzi. Quando nos soltámos, acendeu velas de aroma doce a baunilha e canela pela casa de banho. Ficou a ver-me despir, apreciando cada movimento, podia ver-lhe as reacções através da parede de espelho, só a fraca luminosidade ocultava o quanto me estava a fazer corar.

Soltou um “Hum” de apreço, e os seus olhos pareciam faiscar de tesão.

Mergulhámos no banho quente e perfumado. Encostado a mim, de corpo inteiro, podia sentir a sua pele, o seu calor, as suas mãos que me percorriam o corpo todo, tacteando, sentindo, sondando cada pedaço do meu corpo, como se quisesse memorizá-lo…

Os seus beijos deixavam-me ainda mais quente e excitada, os arrepios tinham-se agora transferido para o interior do meu ventre, num crescendo de excitação, que os meus mamilos erectos e rígidos não conseguiam ocultar. Beijou-os, acariciando-os, enquanto gemia suavemente de agrado.

Embrulhou-me num roupão e transportou-me ao colo até à cama. Começou a beijar-me um pé, dedo a dedo, lambendo-os, chupando cada um deles, beijando a palma dos pé, subiu pela perna até ao joelho, beijando e lambendo cada centímetro de pele, para terminar na covinha do joelho, num perfeito choque eléctrico.

Recomeçou no outro pé, repetindo cada beijo, cada toque, numa tortura calculada e prazeirosa, subindo depois ao interior das coxas, beijando-as e lambendo-as, enquanto as suas mãos me percorriam os quadris e a barriga.

Despejou um pouco de Champagne sobre o meu peito, escorrendo até ao umbigo, para depois o sorver directamente da pele. O efeito dos seus lábios, da sua língua, do toque frio do Champagne e das bolhinhas na pele, estavam a enlouquecer-me completamente!

O fogo de tesão que me percorria era superior a qualquer encenação imaginável. Perdi a noção do espaço e do tempo, lembro-me de ver os primeiros alvores da madrugada sobre o mar, não queria acreditar que o dia já estava a nascer…

Acordei já o sol ia alto, a cama estava desfeita mas vazia…

19.


Pelos vistos a minha ausência teve os seus efeitos, mais que não seja o de a levar a fazer algo para recuperar o controle da situação. "Ela" era daquelas pessoas que gosta de ter o comando na mão, mas não suporta ficar "por baixo". A partir daí...

A partir daí foi assinar a conta, tentando disfarçar o tremor das mãos, dirigir-me para o elevador sem perder a compostura e portar-me bem durante a curta viagem. Se por um lado me parecia um pouco "desafiante", o ar quase irritado ajudava a esconder algo mais: Tesão. Excitava-a a perspectiva de subir para um quarto de hotel com um estranho, mais ainda tendo sido dela a "iniciativa". Decidi ver até onde ia.


Chegamos ao quarto. O "Veuve Clicquot Ponsardin" já estava a "suar" no balde, como que por milagre. Deitou-lhe um olhar desconfiado e ao mesmo tempo desdenhoso. Estávamos num combate pela posse do "comando" que não era brincadeira, ou melhor: Ela comandava, eu deixava-a ir pelo caminho já preparado por mim. Isso irritava-a ainda mais. Esta mulher era especial e eu queria ver até que ponto era capaz de me surpreender. Limitei-me a abrir o "champagne" sem dizer muito, esboçando apenas um sorriso. Servi-o, um suave toque de copos, olhos nos olhos...


- Sei de um sítio onde o champagne sabe muito bem - disse eu, fazendo menção de me encaminhar para a varanda.


- Sei de outro onde sabe muito melhor...

Encaminhou-se para a casa-de-banho e começou a encher o jacuzzi. Voltou para o quarto, olhou-me nos olhos com uns olhos de criança, num sorriso sacana de mulher madura que sabe muito bem o que quer. Beijámo-nos. Beijámo-nos como se sempre o tivéssemos feito, como se os lábios estivessem habituados a encaixar, como se tudo estivesse habituado a interagir. O toque, a pele, o cheiro, tudo me parecia familiar. O Olhar... Um misto de "queres brincar comigo?" com "fode-me", foi algo que me prendeu imediatamente.


Desliguei o jacuzzi. Estava a introduzir demasiada confusão naquele ambiente. Acendi as velas da casa de banho. Enquanto se despia parecia lutar para aparentar uma segurança que estava longe de ter. Deixei-a entrar na enorme banheira e juntei-me a ela.


Apenas o reflexo das velas no espelhado da água permitia o contacto visual. Sentou-se no meio das minhas pernas, encaixando-se em mim, permitindo-me percorrê-la com as mãos. Pareceu relaxar e começar realmente a deixar-se ir. Já não era desafio mas sim prazer, tesão de sentir as mãos de um desconhecido a explorar o seu corpo.


As minhas recordações daquela noite foram interrompidas pela chegada da nossa "amiga" do dia anterior:


- Ainda quer companhia, ou hoje já desistiu?


- De modo nenhum, será um prazer. Porque haveria de desistir?


- Porque me convidou ontem? Posso saber?


- Não quer sentar-se primeiro? Assim parece que veio, não pela companhia, mas para inquirir. Permita-me... O que a levou a pensar que hoje desistiria do convite?


- Para começar, não entendi a motivação do convite...


- Já nos tínhamos visto no Moinho, depois aqui, ainda por cima com quem... Achei giro a coincidência e tive vontade de a conhecer. Não foi nada racional. Apenas um impulso. Foi má ideia?


Já tinha reparado na sua forma elegante de mexer no cabelo quando ficava tensa. Ficava-lhe bem. Fazia sobressair os olhos...

quarta-feira, 2 de julho de 2008

18.


No hotel tomou um duche e trocou as jeans confortáveis pelo vestido preto decotado e justo, mas igualmente confortável. Não era uma bebida entornada que lhe ía estragar o fim de semana, nem tão pouco uns penetrantes olhos negros.
Desceu ao bar, com um leve sorriso estampado no rosto.

Repentinamente o sorriso desvaneceu-se. Não queria acreditar. Não podia acreditar!

- Que fazes aqui?? Seguiste-me?

Só mais tarde na tranquilidade do leito percebeu o ar incrédulo e surpreso dele. Conhecia-o bem. Por baixo daquela aparência extremamente elegante do seu metro e noventa musculado, de feições correctas e tez morena, sabia que estava um ser incapaz de mentira. Podia ser bruto, por vezes rude de palavras, demasiado frontal, sem evitar ferir, mas nunca lhe apanhara uma mentira.

- Estás louca? Acreditas mesmo que eu te seguiria?

- Sei lá...
respondeu, sem muita convicção.

- Pois deverias saber!! Vou pedir que me sirvam o jantar no quarto... disse-lhe, enquanto puxava para trás a madeixa de cabelo e deixava a descoberto os olhos grandes, brilhantes, luminosos, de um negro inconfundível.

Ficou parada junto ao balcão, a vê-lo sair. Era realmente um homem atraente. Atraía-a!...

Atravessou a sala e acabou por jantar sózinha numa mesa recatada do restaurante, embrenhada em pensamentos.

O Chivas acalmou-lhe o arrepio provocado pela aragem suave. O céu mantinha-se estrelado, mas à noite arrefecia sempre. Fixou o olhar no firmamento onde o mar e o céu se beijam e deixou-se embalar pela brisa fresca e o calor da bebida.

- Uma indiscrição em troca de uma bebida? Boa noite.

Não! Ali estava o parvalhão do Moinho, de copo esticado. “Mas o que é que este gajo quer?” Teve vontade de lhe atirar “Você não perde tempo!”

Já deitada, recordou a conversa, só então se apercebeu do toque inseguro da voz dele e do arrepio que aqueles olhos negros penetrantes lhe provocaram.

Enquanto o via afastar-se ainda sussurou “Gostava de apreciar a tua cara de parvo se eu aceitasse o convite”

Deixou para o dia seguinte, quando o viu sozinho a tomar o pequeno almoço.

“Ainda quer companhia? Ou hoje já desistiu?”

terça-feira, 1 de julho de 2008

17.


Porque será que os homens nos tomam todas por loiras…?

Fez-me esperar à porta do bar dizendo que estava atrasado, quando na realidade estava algures nas redondezas, provavelmente a observar-me… será que achou que não percebi…? Por coincidência até estava encostada no carro dele, mas nem se esforçou a explicar-se.

Mora longe e marca um jantar num hotel no Guincho… Agora diz-me que vai telefonar ao carro… pois… se não o tivesse visto pelo espelho a dirigir-se ao bar, pedir uma bebida e sair para a varanda… devo ter mesmo ar de loirinha!

Deve ser por isso que os homens gostam de mulheres burras, não vêem nada, não ouvem nada, não dão por nada…

O pianista toca agora com destreza o Summer Night, instintivamente olho para ele, que me retribui com um aceno de cabeça à laia de cumprimento… curiosamente a cara não me é estranha, mas como frequento vários bares de hotel deve ter-se já cruzado comigo noutro sítio.

Faço sinal ao barman para me trazer mais um whisky e para servir um ao pianista. Quando me entregou o copo fez um sorriso entre o trocista e o divertido… deves saber mais da minha companhia, do que eu alguma vez saberei…

X regressou à mesa, com o ar mais calmo do mundo, passados uns 15 minutos.

- Pensei que me tinha abandonado…

Desculpou-se com uma conhecida que encontrou, mas os seus olhos vinham agora mais expressivos, mais gulosos… seria pela conhecida, ou por estar mais descansado de não ser denunciado por alguma amiga da sua cada-vez-menos-mulher?

- Ao jantar tornou a responder-me a uma pergunta com outra, é um hábito seu?

- Pensei que a minha resposta estava implícita. Perguntou-me se eu estava à altura das minhas provocações. Eu perguntei-lhe se estava à altura das suas. Foi você quem não respondeu à minha pergunta.

Desta vez os seus olhos foram bem explícitos. Não abriu a boca, nem precisava ter aberto… não estivéssemos num sítio tão acompanhado e acho que se tinha atirado à minha boca ali mesmo!

Estendeu a mão e passou-me o cartão do quarto.

Olhei o cartão e os seus olhos negros, de novo, o olhar de tesão contrastava com o sorriso sacana de quem está à espera que eu me esquive. Adoro quando acham que já me conhecem…

- Vamos subir, ou está à espera de mais alguém… disse, enquanto me levantava e lhe virava as costas

- Cabra… ouvi-o sussurrar

16.


Há alturas em que os acontecimentos se precipitam e mais vale não fazer nada.


No breve espaço de tempo que levámos a transpor o lobby comecei com o desagradável constrangimento de ter dado de caras com um ex-colega de quem nem sequer gosto, continuei com a agradável surpresa de ver a nossa "amiga" da tarde, para acabar na completa surpresa de, acto contínuo, os ver a discutir. Aproveitei para ir direitinho para o restaurante e evitar conversas.


Já durante o jantar, pelo canto do olho, apercebi-me dele a sair, visivelmente irritado, e ela a entrar no restaurante, acabando por jantar sozinha.


Qual seria a relação daquele tipo com ela? Na verdade não parecia nada pacífica. No entanto, ainda bem que assim foi porque, pelo menos, não tive que fazer conversa de circunstância com um tipo que era bem capaz de perguntar pela minha mulher. A verdade é que ele foi embora "pior que estragado" e ela ficou a jantar sozinha. Iria passar a noite?


Um sorriso mental invadiu-me. Será que a minha amiga tinha somado dois e dois e chegado à conclusão que eu morava demasiado longe para ir dormir a casa? Teria ligado isso com o facto de estarmos a jantar num hotel? Se o fez não o denunciou.


Eu gosto de uma provocação mas não perco a compostura. Há alturas em que não se pode ser consequente nas respostas e aí o melhor é ficar caladinho. No entanto, aquela resposta ficou a deambular na minha cabeça, a seu tempo se veria quem estava à altura das suas provocações. Para já, deleitava-me a alimentar o ambiente "denso" que se instalou. Por vezes a tensão alimenta a...


Já no bar, a conversa fluía descontraída, embalada pelo "Balvenie Portwood" e pelo som do piano. A ilustre desconhecida tinha estado algum tempo no balcão do bar, de copo na mão e parecia ter ido até à varanda. Se nos reconheceu, não o demonstrou. Pareceu-me fechada em si própria.


Eu estava um pouco apreensivo com o facto de ter sido visto por aqui por aquele tipo, alguém que não morria de amores por mim. Tinha como certo o lugar que ocupo neste momento na empresa e nunca o "digeriu" convenientemente. O tipo de pessoa que me prejudicaria se pudesse. Decidi saber mais.


- Importa-se que a abandone por um momento?


- Pode saber-se onde vai ou é segredo?


- Entre outras coisas, preciso de ir ao carro fazer um telefonema. Deixei lá o telefone para não sermos incomodados. Não demoro.


Passei pelo bar, perguntei ao barman, já conhecido, o que aquela senhora tinha estado a beber. Ele, com um sorriso cúmplice mas sem qualquer comentário, serviu-me uma dose que eu levei. Estava de facto na varanda como eu antecipara.


- Uma indiscrição em troca de uma bebida? Boa noite.


- Quem disse que eu queria uma bebida?


- Ninguém, mas aproveito para a compensar da que perdeu hoje à tarde, em parte por minha culpa.


- Presunção e água benta...


- Cada um toma a que quer, eu sei. No entanto, feliz ou infelizmente, conheço a pessoa que estava a falar consigo e gostava de saber se ele me viu.


- O meu marido? Pelos visto andava demasiado ocupado a perseguir-me. Não disse nada a respeito, se isso o conforta.


- Posso cometer a indiscrição?


- Quem disse que eu aceitava a bebida?


- O que se passou?


- Combinámos um fim-de-semana para descansarmos um do outro e pelos vistos viemos parar ao mesmo sítio. Pensei que me tivesse seguido mas já não tenho a certeza. De qualquer modo foi-se embora.


- Quer fazer-nos companhia?


- Ainda faltam acontecer algumas coisas entre vós para a companhia de alguém vos ser agradável.


- O que quer dizer?


- Que estão na fase da exploração. Aquela em que, quanto mais gente pior.


- Gosto de mulheres perspicazes. De qualquer forma, sinta-se à vontade para se juntar a nós se lhe apetecer. Quando for para a mesa vou comentar que encontrei uma pessoa conhecida.


Com a nítida sensação de que não o faria, passei pela recepção e voltei à mesa.


- Pensava que me tinha abandonado...


- Peço desculpa. Encontrei uma pessoa conhecida. Imagine que esteve a jantar na mesma sala que nós e não reparei nela.


- Alguém especial?


- A mulher de um ex-colega meu. Só quis que percebesse que não a tinha ignorado propositadamente mas apenas porque estava focado noutra pessoa.


- E estava?


- Ao jantar tornou a responder-me a uma pergunta com outra, é um hábito seu ?


- Pensei que a minha resposta estava implícita. Perguntou-me se eu estava à altura das minhas provocações. Eu perguntei-lhe se estava à altura das suas. Foi você quem não respondeu à minha pergunta.


Olhei-a nos olhos, enquanto passava para a sua mão o cartão do quarto, reservado no dia anterior.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

15.


Atravessámos o lobby do hotel em direcção ao bar e ao restaurante, sentia o seu braço quente nas minhas costas e a mão direita que me agarrava a cintura, encaixando-me perfeitamente…

Escolhemos uma mesa aconchegada junto à enorme vidraça de frente para o mar, sentámo-nos, frente a frente, perscrutando-nos mutuamente.

Não sabia o que me atraía mais nele, se o olhar inquiridor, de quem procura ver para lá do exterior, se a voz ligeiramente rouca e sussurrante, só sabia que aquele desconhecido tinha mexido comigo.

- Preciso de ir ao WC…


- O WC fica junto ao bar. Não quer pedir a entrada primeiro?


- Confio no seu bom gosto, desde que não seja peixe cru ou cebolas…

Levantei-me e atravessei a sala em direcção ao bar. Sentia os seus olhos que me seguiam, observando-me sempre, tal como da primeira vez. Quando regressei o vinho já estava servido e a refeição pedida.

- Agora já não tem escolha. Disse com um tom meio sarcástico


- Escolha? Tenho sempre… respondi-lhe, enquanto cruzava a perna roçando-lhe intencionalmente a canela.

O brilho dos seus olhos negros teve um não-sei-quê de selvagem, de tesão pura. Senti-o arrepiar-se como se tivesse sido percorrido por uma corrente eléctrica.

- Você está à altura das suas provocações?

A gargalhada saiu-me forte, incontida e instintiva. Não era a primeira vez que me faziam aquela pergunta, mas já não a ouvia há uns anos. E a resposta só podia ser a mesma que na altura dera também…

- E você… está à altura das suas?

O jantar decorreu num quase silêncio, acompanhado de uns acordes de piano que vinham do bar, a sala estava quase vazia, com excepção de um casal de meia idade com ar de estrangeiros, de dois fulanos de fato e gravata e de uma mulher que jantava sozinha numa mesa junto a uma coluna. Lá fora, a Lua enchia de reflexos de prata o mar do Guincho.

- Tomamos o café e o whisky no bar? A música está bem agradável…

14.


A manhã começou mal, com a falta de água que o fez chegar atrasado à reunião. Aquelas malditas reuniões enlouqueciam-no, especialmente quando a senhora engenheira resolvia estar presente. A mulher quase o fazia perder a compostura, nem tanto pela tesão provocada pela paisagem inebriante dos opulentos seios, mas pela incapacidade de proferir duas frases seguidas com nexo.

A tarde foi pior. Uma tresloucada, como o são todas as mulheres ao volante, enfiou-se na traseira do carro. Completamente histérica, ou não fosse mulher, saiu do veículo aos berros, lavada em lágrimas. Num laivo de machismo gritou-lhe “as mulheres deviam ser proibidas de conduzir!”

Agora, só queria esquecer o chorrilho de insultos de que foi alvo e as horas perdidas na 2ª circular. Rumou ao Guincho com o Sol a bater-lhe de frente. Estacionou e sentiu um arrepio quando a aragem fresca lhe envolveu a camisa transpirada. Entrou no hotel, pediu um quarto com vista para o mar...

O banho aliviara-lhe o stress do dia. Enquanto abotoava o cinto, apreciou da varanda as cores avermelhadas do céu em fim de tarde. “Onde estará ela?” pensou, sentindo alguma melancolia que logo procurou desviar. As coisas não andavam a correr bem ultimamente e quando ela lhe propôs passarem o fim de semana separados, concordou de imediato.

Olhou o relógio. Ainda tinha tempo para uma bebida no bar antes do jantar. Talvez estivesse por lá alguma mulher bonita. Não que estivesse ali à procura de mulher, por hoje chegava de mulheres!

A música de fundo e a decoração requintada tornavam o ambiente austero mas acolhedor. Aproximou-se do balcão “um Logan, por favor...” Um casal cinquentão ao fundo, dois homens aparentemente de negócios, nada de mulheres... a não ser a que acabava de entrar seguida do...
“Que faz o gajo aqui acompanhado daquele mulherão??...”

13.


Há algo em todos nós, possivelmente reminiscência do tempo em que, como seres humanos, tínhamos de lutar pela vida na verdadeira acepção da palavra, que nos diz quando estamos a ser observados.


Senti-o naquele momento, uma fracção de segundo antes de me cruzar com o olhar dela, um misto de "Estes gajos não tinham mais sítio nenhum para onde vir fazer esta merda..." com "Já agora deixa-me lá gozar a cena que até é capaz de ser giro". A verdade é que se acomodava confortavelmente para assistir, não se preocupando sequer em disfarçar. Os seus olhos continuavam pregados em mim. Não sendo propriamente exibicionista, aquela situação estava a acrescentar um ingrediente extra a algo já de si muito bem temperado. Uma espécie de pimenta no chocolate que se derretia na minha boca com o calor daquele beijo.


Concentrei-me no que estava a fazer. Aquela boca era uma tentação irresistível, os olhos meigos, inundados de tesão, pareciam atrair os meus para um abismo de sentidos. As minhas mãos não conseguiam parar de percorrer aquele corpo tão exposto, aquela pele arrepiada pelo meu toque.


Os meus lábios fugiram pela face, largando, aqui e ali, pequenos beijos que iam fazendo subir um pouco mais a ânsia de exploração. A nossa "espectadora", embora tentando manter uma postura descontraída, ajeitava-se na cadeira cruzando e descruzando as pernas e não tirava os olhos de mim. Foi com o olhar fixo no dela que deixei as pontas dos meus dedos deambular pelos ombros, enquanto a minha língua saboreava gulosamente a orelha acabando com um olhar de convite, ao mesmo tempo que chupava languidamente o lóbulo, provocando um arrepio total, qual choque eléctrico que se propagou e fez com que, ao cruzar a perna mais uma vez, a nossa "voyeur" tivesse dado uma pancada na mesa que entornou a bebida.


Com uma irritação contida perante o meu sorriso sacana, levantou-se e dirigiu-se ao bar para pagar, antes de se retirar. Um último olhar de soslaio e desapareceu.


Eu estava demasiado inebriado com o que a vida me proporcionava naquele momento para pensar muito no assunto. Apetecia-me beijar, cheirar, tocar, lamber... aquela mulher madura, tesuda e meiga ao mesmo tempo, de quem não sabia sequer o nome. Encontráramo-nos como se já nos conhecêssemos e não lho cheguei a perguntar. Imaginava como isso estaria a ser interpretado.


Decidimos abandonar aquele sítio com alguma relutância. Caía a noite, estava a arrefecer e eu estava a antecipar um jantar bem agradável no "Hotel do Guincho". A curta viagem foi feita num ambiente de antecipação calma. As mãos procuravam-se languidamente enquanto o carro percorria os poucos quilómetros.


À entrada um breve relance para o bar revela algo do qual eu estou absolutamente convicto:


Por vezes o Universo conspira...

domingo, 29 de junho de 2008

12.


Os olhares tinham-se tornado bem mais descontraídos e expressivos… se por um lado sentia que me observava cada movimento, cada reacção, por outro a forma como “falavam”, aqueles olhos negros, era cada vez mais intensa.

Senti uma mão que me pousou no pescoço, as caras que se aproximavam, quase imperceptivelmente, até os lábios se tocarem… suaves, macios, gentis… mas logo a carícia se transformou em beijo intenso, devorador… as bocas pareciam ter ficado coladas por uma qualquer força de atracção, sentia-me incapaz de me afastar, arrastada por uma onda de prazer, quase a levitar…

Uma mão segurava-me fortemente o pescoço, como se tivesse medo que fugisse, enquanto a outra me acariciava a perna, subindo devagar, deliberadamente, aumentando o arrepio…

Aquela boca, aquela língua, aquele beijo… tudo me parecia familiar, até a intensidade voraz, incontida… como se o mundo fosse acabar e nada mais existisse!

Libertou-me o pescoço, foi descendo a mão direita, acariciando-me os ombros, as costas… e descendo, até quase se encontrar com a esquerda, fechando-me num abraço vigoroso que me apertava contra o seu peito… sentia-lhe o coração bater forte, descompassado, numa aceleração só comparável à força daquele beijo...

Quando por fim descolámos as bocas, à nossa volta a noite quase se tinha instalado já… tinha a pele arrepiada, mas já nem conseguia distinguir bem porquê… sentia-me tremer, mas não conseguia perceber se apenas por dentro, ou se no exterior também.

Olhou-me fixamente nos olhos, tinha agora uma expressão totalmente diferente, onde passavam laivos de satisfação, de carinho, à mistura com alguma confusão. Sem falar sequer, levantamo-nos, pôs-me novamente o seu casaco quentinho pelos ombros e abraçou-me fortemente de encontro ao peito.

- Vamos jantar, a noite está fresca e está a ficar gelada.

Não consegui responder, estava de tal forma anestesiada que só dei por chegarmos ao carro, encostei-me na porta, meia a cambalear, quando me soltou debaixo do seu braço… agarrou-me suavemente no queixo e levantou-o, para me fixar os olhos de novo, pousou um beijo suave nos meus lábios e abriu a porta, enquanto me sussurrava no ouvido:

- Vamos, senão não resisto…

Descíamos agora a minha estrada favorita, já com a lua a espalhar sobre o Guincho os seus raios prateados… a noite estava divina!

sábado, 28 de junho de 2008

11.


Sentara-se numa mesa junto ao muro. Poisou a mala e sobre a mesa a bebida que trouxera do balcão. Sorveu um golo do líquido avermelhado a saber a groselha com travo de rum.

Deixou-se ficar a olhar o mar azul, numa tonalidade característica de fim de dia, que a obrigava a vaguear em recordações.

Uma leve brisa provocou-lhe um arrepio, precisamente no momento em que um casal se aproximava.

Que chatice! Isto estava tão sossegado... pensou

Acabou por notar que passara despercebida. Uma árvore simpática encobria-a ou estariam ambos demasiado embrenhados no seu enamoramento.

Colocou o casaco sobre os ombros, aconchegou-se melhor na cadeira e preparava-se para retomar a vaga de pensamentos interrompida, quando novo arrepio a assolou. Os lábios de ambos acabavam de se roçar, até se transformarem num beijo sofrego e demorado.

Susteve a respiração, num acto quase caricato de quem não quer ser apanhada. Aninhou-se ainda mais na cadeira, por trás da cumplicidade da árvore, mas não desviou o olhar.

A mão esquerda dele percorria-lhe agora a perna, sobre o tecido fino do vestido. Quase conseguia sentir o calor da mão, a sensualidade dos lábios, a humidade da língua...

Por um instante cruzou-se com os negros olhos. Arrepiada, do frio ou da excitação, vestiu o casaco, sem deixar de o fixar
...

sexta-feira, 27 de junho de 2008

10.


Às vezes o Universo conspira.


Tinha escolhido um encontro num sítio em Lisboa para não a afugentar. No entanto ia com o firme propósito de fugir dali. As circunstâncias tinham-nos posto num dos sítios mais agradáveis que conheço, na altura ideal do dia, com o clima ideal, uma brisa morna e agradável, e, cereja no topo do bolo, dia e hora de jogo da selecção nacional num sitio sem televisão. Resultado: Apenas um casalinho de namorados num recanto e nada mais. Entrámos para pedir, no caso um gin tónico e uma caipirinha, dizendo que íamos lá para fora.


Escolhemos um autêntico camarote com vista para o mar. A menina veio com as bebidas:


- Os senhores vão-me desculpar, eu vim agora aqui trazer as bebidas mas não posso voltar, uma vez que estando cá sozinha, não me posso afastar tanto do balcão...


- Deixe lá. Se for preciso mais alguma coisa, vamos buscar. Não tem problema algum.


Tive vontade de a beijar...


- Acho que não ficámos a perder com a troca de sítio. Que lhe parece?


- Absolutamente. Já fiquei a conhecer mais um sítio.


- Venho eu, de fora, mostrar sítios aos amigos de Lisboa.


- Não é de cá? Não se nota nada.


- Na verdade sou, mas neste momento vivo mais para norte. Já reparou que estamos destinados a partilhar varandas sobre o mar?


- Há coisas muito piores...


- Pode ser que desta vez não me despache...


Sorriu de uma forma que me pareceu um bocadinho sacana, ao mesmo tempo corava ligeiramente.


- Sentiu-se despachado? Acho que não fez nada para que eu o despachasse.


- Ao telefone, no Hotel, despachou-me completamente.


- Queria dizer-me ao telefone o que não me tinha dito na cara?


- O que queria que eu tivesse dito?


Respondeu-me apenas com o olhar. A minha mão, que andava despreocupada pelas costas da sua cadeira, pousou no seu pescoço e beijámo-nos. Um beijo que começou morno e terno mas que, quase instantaneamente, aqueceu e se tornou num "combate" de línguas.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

9.



- Não é um pouco longe? Eu nem sequer trouxe carro…

- Não se esqueça que prometeu sair da cidade, vai ver que até lhe sabe bem o passeio!

Disse, enquanto passava o braço, roçando-o suavemente nas minhas costas, para abrir a porta do carro… o arrepio que me provocou era inexplicável, raios!... Só então percebi que me tinha encostado mesmo no carro dele, que coisa!

Pelo caminho os meus olhos vagueavam perdidos na paisagem, enquanto do pensamento não me saía o arrepio da pele…

- É sempre assim tão silenciosa? Prefere que ponha um pouco de música?


- Desculpe, estava perdida nos meus pensamentos, e a ser indelicada… não estou mesmo grande companhia!

- Vai continuar a desculpar-se a noite toda, ou vai deixar-me tentar animá-la? Tem um sorriso tão especial, não entendo porque o esconde tanto.

- Desc… hihihi, já me ia a sair outra vez… lido com pessoas o tempo todo e tenho de lhes sorrir, quando descontraio o sorriso desaparece.

- Isso não é verdade… já a vi sorrir sozinha…


Subíamos a serra, com o mar e o Guincho à nossa esquerda.

- Adoro esta estrada! Deve ser a mais bonita estrada portuguesa, senão a mais bela da Europa.

- Vale a pena, só para lhe devolver o sorriso percorria-a vezes sem conta!


Levantou a mão em direcção ao meu rosto e afastou-me uma madeixa de cabelo que lhe encobria o campo de visão. Senti a suavidade e a avidez com que o fez, o à-vontade com que me tocou, pele na pele, como quem beija com a mão… de novo o arrepio, de novo…

Entrámos por uma estrada de terra batida e parámos junto de um moinho, de frente para o mar. A vista era deslumbrante! O Guincho resplandecia de sol, o mar estava de um azul intenso, apetecia ficar ali a olhar, simplesmente.

- Vamos? Disse enquanto me abria a porta.

Passou-me o braço por cima do ombro enquanto me ia indicando o caminho, pelo meio da vegetação, descobrindo-me aos olhos uma esplanada cheia de recantos e praticamente vazia àquela hora, sentámo-nos num deles, de frente para o mar, confortavelmente instalados, com um fim de tarde que começava a ganhar tons rubros.

- Os seus olhos perdem-se sempre no mar!

Olhei-o de frente, os olhos negros pareciam ainda mais profundos, assim fixos em mim...

8.


A sério que quando combinei às seis, estava convencido que o bar estaria aberto.


Estava a pensar numa bebida ao fim da tarde, eventualmente um "snack", marginal ao fim da tarde e jantar no hotel do Guincho. Um programa discreto.


Só depois me apercebi que o ponto de encontro só abria às sete.


O meu primeiro impulso foi o de mandar uma mensagem a avisar da obrigatória mudança de planos. Não durou muito.


À hora marcada lá estava eu num café de onde poderia observar sem ser detectado. Não consegui resistir a observar a sua reacção.


Chegou de táxi, aproximou-se da porta, olhou lá para dentro, consultou o horário afixado na porta e fez uma cara de poucos amigos.


- Peço desculpa pelo atraso. Tive uma reunião que se prolongou, mas já estou a caminho...


Ficou a olhar para o telefone. Parecia um pouco "perdida" mas a tentar manter a pose.


- Ainda está fechado. Quanto tempo?


Não acho boa ideia conduzir e enviar sms, por isso não respondi. Ficou a olhar para o telefone, com alguma impaciência. Ao fim de pouco tempo resolvi aparecer. Não queria arranjar uma inimiga logo à partida.


- Consegue perdoar-me esta confusão?


- Vai ter que me compensar.


O beijo suave, no canto do lábio foi esclarecedor.


- Tinha pensado em jantarmos para os lados do Guincho. Há um sitio maravilhoso para se estar a esta hora, perto do Cabo da Roca. Parece-lhe bem?

7.


Sentia que estava a brincar ao gato e ao rato, com alguém que desconhecia completamente… se por um lado isso me dava um gozo difícil de explicar, por outro levantava algumas defesas naturais… num misto de vontade de provocar e de fugir da situação, um daqueles dilemas nem sempre facilmente ultrapassáveis.

- Apetecia-me que me tivesse convidado para ficar a tomar um copo ao fim do dia no “nosso” terraço…

- Apenas isso?

Estava a entrar na brincadeira, diria mais, estava claramente a virá-la contra mim… a obrigar-me a abrir o meu jogo, a confessar os arrepios inconfessos… sentia-o à vontade a fazê-lo, como quem domina o jogo da sedução.

- Podíamos sempre jantar alguma coisa, conversar um pouco…

- Isso é um convite?

- Ahahaha! Conseguiu pôr-me onde queria…?! Isso soa-me a manipulação. Referia-me a se eu tivesse aí ficado ontem…

- Já percebi que não consigo arrancar-lhe um convite, permite ao menos que a convide eu?

Hesitei por momentos, um jantar é sempre uma coisa pública, os meus níveis de conforto pareceram-me razoavelmente estáveis, respondi-lhe:

- Se for em Lisboa… para esta semana chega de viagens…

- Amanhã à noite? Mas cede a sair da cidade, que ao sábado não há nada de jeito aberto… prometo que não vamos para longe!

- Se promete… mas aviso-o que estou estafada, não serei a melhor das companhias…

- Deixe isso por minha conta :-)

Voltei ao trabalho ainda a pensar na situação, podia estar à procura de uma chatice, mas era só um jantar… que mal tinha? Aquela sensação de arrepio transferira-se agora para o estômago, não me foi fácil almoçar, não sei se pelo cansaço se por aquele arrepio que sentia cá dentro…

A tarde passou a correr, finalmente era 6ª feira à noite e ia poder relaxar. Cheguei a casa preparei um banho de imersão bem cheio de espuma, acendi umas velas pela casa, liguei a aparelhagem, aqueci o meu balão de cristal e servi-me de uma dose generosa do meu whisky velho favorito.

Deixei-me ficar dentro da banheira a sentir a carícia quente da água e da espuma, a beber aquele néctar suavemente aquecido e a ouvir a minha música favorita até quase ao esquecimento.

Quando saí, o telemóvel tinha duas novas mensagens… respondi à primeira, abri a segunda e leio:

- Não quero acreditar que ainda esteja a trabalhar a esta hora! X

Estava datada das 20:15, mas já passava das 21:00h, ainda hesitei mas acabei por responder:

- Estava a tomar um belo banho de imersão, só agora acabei

- Bem me podia ter convidado…

- Não sabia que também gostava, hihihi! Fica para a próxima!

- Não me vou esquecer…

- Quem sabe… depois de um belo queijo, isso passa-lhe…

- Amanhã às 18, está bem para si?

- Não é um pouco cedo para jantar? Onde combinamos?

- Tomamos um aperitivo antes. Conhece o bar Luca, perto do Marquês? Às 18 espero-a lá!

- Se fica em Lisboa, hei-de encontrar… não se preocupe!

- Durma bem. Um beijo X

6.


Do varandim do hotel a manhã parecia radiosa. O mar estava calmo, com aquele azul-esverdeado que só ele tem. Do vento das manhãs dos dias anteriores, só restava uma brisa morna que antecipava o Verão e me confortava o espírito, enquanto o pequeno-almoço me confortava o estômago.


Lembrava-me dela, exactamente ali. Da sua voz rouca, do ar distante e próximo , da sua forma de me chamar para sí e de me manter a uma distânia de segurança ao mesmo tempo. Apenas aquele sms a traíra. Notava-se que fora produto de um impulso e quando assim é.... Se calhar devia ter avançado um pouco mais.


Ao fim de uns anos a frequentar hoteis fica-se com anti-corpos em relação a certas situações. Um dos anti-corpos que criei foi contra gente que acha que basta estalar os dedos e os homens ficam a babar. A esta distância não me pareceu ser o caso. A verdade é que continuava a pensar no assunto.


Entre a papaia e o pão de sementes com requeijão e doce de abóbora peguei no telefone para reler as sms do dia anterior. Tinha uma nova.


- Dormiu bem?


- Muito bem. Não se devia ter ido embora. O dia está bem melhor que ontem. Estou na "nossa varanda" a tomar o pequeno-almoço.


Continuei a comer calmamente, já com o telefone à frente. Pouco tempo depois, nova mensagem:


- Quer companhia?


- A essa distância parece muito mais afoita. Gostava de ter ficado?


- Sempre era melhor que estar a trabalhar.


- Um mal menor...


- Não foi isso que quis dizer.


- O que é que quis dizer?


- Gostava que eu tivesse ficado?


- Não se responde a uma pergunta com outra.


A resposta não veio. Tomei café e dirigi-me para a piscina do hotel. Quando estava a sair da água ouvi o sinal de nova sms a chegar.


- Gostava...


- De quê?


- De ter ficado.


- Para não ter que ir trabalhar ou pela companhia?


- Ambas as coisas.


- Meio obrigado.


- Porquê?


- Só posso agradecer pela parte que me toca. Acredito que o senhor das sms também tenha tido peso na sua decisão. Continua sem dizer quem é?...


- Neste momento é você.


- Não se notou muito que tivesse vontade de ficar.


- Você também não fez muito por isso...


- Não gosto de ser inconveniente. O que é que gostava que eu tivesse feito?

5.


- Vou tratá-lo por X, agrada-me o mistério, Mr. X… o sorriso maroto deve ter sido notório, tenho uma cara que não esconde nada, mas fez de conta que não percebeu.

Despedimo-nos com um beijo na face e entrámos nos quartos… por momentos deixei-me ficar encostada à porta, sentia agora o coração que parecia querer saltar do peito, tal era a intensidade com que batia…

Deixei-me escorregar encostada na porta e fiquei sentada no chão a pensar no que se estava a passar comigo. Fui acordada do torpor pelo toque do telefone do quarto…

- Sim…?

- Como está? Já pronta para dormir?

- Nem me deu tempo… dê-me um minuto para me despir…

- Tem a certeza que não precisa de ajuda…?

O riso incontido soltou-se de novo, desta vez mais forte.

- Acha que já estou incapaz de me despir? Aguento beber bem mais…

- Acredito! Mas tem-se defendido sempre…

- Estou cansada, apenas isso, e o dia de amanhã vai ser longo e duro.

- Vou deixá-la descansar, gostei do seu timbre rouco ao telefone…Tenha uma boa noite!

- Para si também!

Esta viagem estava a tornar-se interessante… sentia-me extenuada, nem a televisão liguei e em pouco mais de 10 minutos estava a dormir.

De manhã reparei num papel, no chão, junto à porta do quarto, apanhei-o e deparei-me com um recado:

X

91*******

Ao seu dispor

Tenha um bom dia!

Guardei-o no bolso do casaco antes de sair e nunca mais me lembrei dele… o dia passou rápido e intenso, as reuniões sucederam-se umas às outras, o almoço a correr, no fim a apresentação para o grupo… entrámos no carro, para regressar a Lisboa, já passava das 7 da tarde e a viagem era longa.

Parámos numa área de serviço para comer qualquer coisa, quando meti a mão no bolso à procura do isqueiro senti o papel, tirei-o e fiquei a olhar para o número… nahhhh! Voltei a guardá-lo e acendi um cigarro.

De volta ao caminho, o bendito papel parecia querer queimar-me o bolso… tirei-o e decidi mandar um sms:

Um beijo, a caminho de Lisboa

Outro, a olhar o mar no terraço e a pensar em si. X
– respondeu

Que tenho eu de especial para que pense em mim?

Um dia talvez lhe explique…

Calei-me. Que raio estava eu a fazer? Apetecia-me provocá-lo, fazê-lo dizer aquilo que me apetecia ler, desafiá-lo a encontrarmo-nos noutro local, noutras circunstâncias… mas o bom senso foi mais forte.

Encostei a cabeça no banco e deixei-me embalar pelos sons do Oceano Pacífico, já só o oiço quando regresso assim tarde de viagem… o pensamento estava disperso, vagueando de novo… só quando senti a iluminação da 2ª Circular regressei à realidade, era 1 da manhã, mas estava quase em casa.

Entrei, larguei as malas, fui-me despindo em direcção ao quarto e fui tomar um duche rápido, quando ia para desligar o telemóvel reparo que tinha uma nova mensagem.

Já dorme?

Quase, estou mais morta que viva!

Tenha uma boa noite…

Adormeci a pensar naquela frase: Tenha uma boa noite...

4.


- Foi muito amável ao emprestar-me o seu casaco à pouco. Mais uma vez, obrigada.


- Não me agradeça. O seu cheiro ficou nele. Foi compensação suficiente.


- ...


- Peço desculpa. Não a queria embaraçar. A verdade é que foi muito agradável. Posso perguntar se está por aqui em trabalho?


- Infelizmente. E você?


- Uma mistura. Vim a trabalho mas aproveitei para descansar um pouco. Vou ficar mais dois dias e depois volto ao "inferno".


- Porque é que presumiu que eu estava em trabalho?


- Achei a sua companhia ao jantar demasiado formal para ser prazer. Juntando isso com o facto de os ter abandonado para vir para aqui, acrescentando as sms durante o jantar... Fiquei com a sensação de que a companhia que desejava não estava ali.


- Estava a espiar-me? Isso é muito feio...


- Apenas a admirá-la e a lembrar-me do seu cheiro no meu casaco. Por momentos pensei que tinha corado quando me viu. Depois, reparei que não era eu o culpado.


- Tem sempre tantas certezas a respeito de tudo?


- Posso perguntar quem era? Marido?


- Não.


- Não era o seu marido?


- Não pode perguntar...


Estava a adorar aquele risinho que, junto com o facto de estar a corar novamente, indicavam que algo estava a ter efeito. Eu, ou o alcool? Seria isso importante? Nem tanto. O alcool não inventa nada, só nos desinibe.


- Não queria ser indiscreto. Peço desculpa.


- Não peça. O meu estado civil não me define. Apenas isso. E você? É casado?


- Cada vez menos.


- Devia-se criar esse estado civil, não acha?


- Se calhar devia acabar-se com os estados civis. Resolvia-se muita coisa. Posso trazer-lhe mais uma bebida?


- Está a fazer-se tarde. Na verdade, acho que me vou deitar, apesar da agradável companhia. Amanhã tenho um dia comprido, que acaba numa viagem para Lisboa.


- Nesse caso subimos juntos. Parece-lhe bem?


- ...


Entrámos no elevador. Senti-a corar de novo quando se apercebeu que estávamos no mesmo piso e ainda mais quando chegámos à conclusão de que os nossos quartos ficavam quase em frente um do outro. Não fiz um convite forçado nem esperei que me convidasse a entrar.


- Posso ligar-lhe? Podemos conversar mais um pouco enquanto não adormece.


- Acho que sim. Tem nome? Cavalheiro do casaco quentinho...


- O meu nome não me define...